agosto 29, 2010

Sing us a song, a song to keep us warm



Um dia eu acordei e tive essa certeza: hoje eu vou morrer.

Não me apavorou nem um pouco esse pensamento, pelo contrário. Ajudou-me a cumprir a rotina de uma forma serena, sem a pressa habitual, sem o mal jeito de deixar as coisas todas jogadas, sem largar a toalha molhada em cima da cama, não tive coragem de apertar o tubo da pasta de dente no meio. Quis deixar o cabelo arrumado, porque apesar de saber que aquele era o dia em que eu partiria, eu não sabia a hora, e portanto, não sabia se teria tempo de me arrumar. Usei aquele perfume que eu estava guardando para uma ocasião especial, porque acredito não haver ocasião mais especial do que a própria morte.

Pensei se deveria escrever uma carta breve, explicando as coisas mais urgentes como senhas do banco, o seguro de vida, pra quem eu deixaria o vidro de perfume especial, praticamente sem uso. Mas não quis perder o talvez pouco tempo que eu teria explicando essas bobagens. Pensei em dizer às pessoas que me são queridas o quanto elas me são queridas. Mas sabia que de uma forma ou de outras, as que precisavam saber disso, já o sabiam. Pensei até em não ir trabalhar. Mas não quis alterar a minha rotina, porque afinal, se eu alterasse qualquer coisa, pode ser que a minha morte não acontecesse como deveria acontecer, ou talvez nem acontecesse.

No trânsito, os sorrisos e xingos de sempre. E nada me deixou extremamente incomodada, mas a sensação de pensar que não mais passaria por tudo aquilo de novo começou a bater em minha mente. Quis deixar algo de bom no mundo, que alguém lembrasse de mim, de minhas atitudes durante o dia e de alguma forma se sentisse bem. Permiti que alguns carros passassem à minha frente, evitei fechar cruzamentos, e ainda assim cheguei ao trabalho no horário certo. Cumprimentei a todos com um sorriso e um bom-dia, e aos que estranhavam essa nova atitude, eu disse em tom jocoso "é, nunca se sabe do dia de amanhã".

Mas eu sabia. Amanhã eu não estaria mais aqui.

Liguei para um amigo e o chamei para almoçar, e pedi desculpas pelo dia que não lhe dei a devida atenção. Paguei o almoço, porque afinal, o dinheiro já não seria problema no dia seguinte. Liguei para os meus pais, não os via há muito tempo, e prometi uma passada por lá no final de semana. Resolvi todas as coisas do trampo, e qualquer dorzinha inconveniente eu pensei "vai ser agora". Mas não era.

Eu morri assim que a lua cheia surgiu no céu de uma terça-feira qualquer. Não senti dor, nem sequer sei dizer a você como eu morri. Mas assim que eu me fui, a primeira coisa que pensei foi na tristeza de não ter um amor pra me despedir. Então eu acordei.

E desde que eu acordei deste sonho, todas as terças-feiras são dias de uma grande expectativa. Nenhum medo. E de infinitas decepções. Até que eu chegue na terça-feira certa.

[o lance com o futuro é o seguinte: toda vez que você olha o futuro ele muda porque você olhou. e isso muda todo o resto]

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